domingo, 7 de abril de 2013
A Casa da Avó
No budismo, pela consciência da impermanência e da luta constante que é ser humano existem os 3 Refugios (os budistas adoram sistematizar tudo em listas): a natureza de Buda, o Dharma e o Sangha.
A natureza de buda, de forma muito simples, é manter presente que, para alem de todas as mudanças da vida , de nada se manter constante, existe uma natureza divina em cada um de nós, uma luz por vezes adormecida que nos acompanha em todos os momentos. Nos recolhermos ao nosso potencial interior, em cada desafio, e em cada momento de alegria é termos a noção que temos uma natureza sagrada que nos permite ser um milagre nesta vida. É sabermos que somos únicos e sagrados.
O dharma, inclui todas as praticas espirituais, as atividades que nos elevam o espírito e a consciência É a meditação, o yoga, a oração,a leitura, a dança, e todas as nossas atividade diárias, que quando feitas com amor e entrega são uma forma de reverencia e de gratidão por estarmos aqui, neste mundo. Não é necessário ir para o meio das montanhas , nem para o sitio mais remoto da terra para seguir o dharma...O nosso Templo de praticas pode ser onde estamos neste momento, em perfeita sincronia com todo o Universo. Ao nos refugiarmos e nos concentrarmos em acções que nos aproximam da nossa verdadeira natureza divina ( e existem tantas quantas as religioes e filosofias do mundo), deixamos para trás os medos , as inseguranças, e experienciamos os desafios com mais entrega e com uma visão mais ampla das suas lições.
O sangha é a reunião com pessoas que trilham o mesmo caminho espiritual do que nós. São aqueles com quem partilhamos as nossas duvidas, inspirações, desafios e conquistas, porque nos compreendem, porque passam pelo mesmo, porque sentem uma empatia que advém duma base comum, que todos somos humanos, e todos travamos duras batalhas.
E hoje acordei a pensar na casa da minha avó. Era uma casa modesta, duma familia simples e numerosa que entretanto foi seguindo o seu destino, geraçao após geração. Era a casa onde passava dias com os meus avós, que continha um silencio tranquilo e protector que era apenas cortado pelo tic tac do pendulo do relogio da sala de jantar e pelo som dos sininhos que estavam pendurados atrás da porta da sala de estar. E apercebi-me que essa modesta casa continha os 3 Refugios.
Na casa da avó tudo dava tempo e havia atenções e mimos especiais para os netos. Havia gelatina e fiambre especial para o lanche (que também havia em casa mas o sabor não era o mesmo) e era onde podia tomar café preto como os adultos (era cevada, mal sabia eu)...Jogava às cartas com o avô e quando passei a jogar com o meu primo percebi que o meu avô , disfarçadamente deixava-me ganhar pois os jogos que eram tão faceis com ele deixaram de o ser ao jogar com o meu primo.
Deixava as minhas bonecas à minha avó a cuidar, com todas as recomendações da medicação a fazer e pequenas particularidades que elas precisavam, enquanto ia trabalhar atarefadamente .Depois de dar a volta à casa ia confirmar se a minha avó estava a cuidar delas convenientemente, e lá estava ela a fazer tudo o que tinha pedido. Ia à casa da vizinha deliciar-me com os barretes que ela costurava um atras do outro e apetecia-me tanto aprender como se faziam aquelas pequenas maravilhas e ajudar a cortar as linhas que os uniam provisoriamente.
Esta era a minha natureza de buda...Ser tratada como um ser unico e especial...
Na casa da avó aprendi a bordar...Entre os seus afazeres estampou comigo os seus tecidos antigos, ofereceu-me uma grande caixa de linhas multicolores que para mim eram um pequeno tesouro, e ensinou-me alguns pontos. Este era o meu dharma...Ficava tempos infinitos concentrada nos meus trabalhos e a aspirar um dia bordar de forma tão perfeita como a minha avó e a minha tia.
E na casa da avó , havia paz, havia ternura, podia conversar com o meu avô sobre os dilemas da minha pequena existencia e ouvir as histórias do antigamente. O meu avô contava-me como tinha sido a sua vida, dificil, com muitas dificuldades financeiras e de saúde Mas a historia que eu gostava mais era a de como tinha conhecido a minha avó, dos dramas amorosos que tinham passado até ficarem juntos, do amor que tinham pelos filhos, pelos netos.Mesmo não tendo muito, estavam sempre prontos a ajudar os que ainda tinham menos do que eles... Este foi o meu sangha...
A casa da avó entretanto de tão velha teve de ser remodelada e hoje está linda mas muito diferente do que foi antigamente... E sempre foi a casa da avó (não dos avós) , como sempre é hoje a casa da mãe ( e não a casa dos pais), valorizando as matriarcas que tanto se dedicaram à familia...
Sinto muitas saudades desses tempos, especialmente quando a vida tanto se complica que preciso mesmo desses refugios espirituais... Nesses tempos não havia passado a pesar , não havia preocupações com o futuro, só o desejo de chegar às ferias grandes e ao Natal, e de fazer 10 anos para ir morar sozinha para o meu proprio apartamento :D...
Às vezes fecho os olhos, viajo no tempo e é como se ainda estivesse na soleira da porta (que parecia tão alta) sentada a bordar e a sentir a brisa fresca de verão a embalar as folhas dos impotentes algodoeiros que estavam espalhados em frente à casa, a ouvir as recomendações da minha avó e a sentir o afeto do meu avô...
A Casa da Avó foi o primeiro Templo Sagrado onde começou a minha odisseia espiritual...uma casa modesta, com pessoas simples, mas tão genuinas e afetuosas que contribuiram para a pessoa que sou hoje...
Que todos tenham um Casa da Avó nas vossas vidas, é o que vos desejo...
Beijinhos e bom domingo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Greatness Within
“Protegei-me da sabedoria que não chora, da filosofia que não ri e da grandeza que não se inclina perante as crianças.” Khalil Gibran
-
" Para achar o nosso caminho na pradaria, às vezes paramos... E olhamos...Recordamos... Com as pessoas também. Às vezes paramos e...
Nenhum comentário:
Postar um comentário